Nunca pensei que um dia eu teria 50
anos. Impossível... isso seria pavoroso demais.
Quando tentava imaginar que isso
poderia acontecer, o cérebro se recusava e falava comigo: Não você meu senhor,
você ainda precisa muito tempo para encontrar a felicidade plena, tudo isso
está andando rápido demais, você ainda precisa de muito tempo.
As outras pessoas podiam fazer 50 anos
e até mais, mas as outras pessoas não são especiais como eu... para mim esse
negócio ainda iria demorar muito.
Como eu sou um cara visual, sempre dou
exemplos de coisas com foco nesse sentido. Viu que usei a palavra foco que é
muito visual? Gosto também de usar: refletir, projetar, cegueira, turvo, cortina
de fumaça, brilhante... bom desviei do assunto... vou voltar...
Então, quando foi chegando perto do meu
aniversário minha miopia estava brava. Eu falava para todo mundo que a idade
estava me deixando mais sábio, mais moderado, mais feliz e realizado que
parecia que eu estava iluminado. Um dia até pensei que estivesse pronto para
morrer... acho que nessa hora Deus perdeu a paciência comigo e retirou as
lentes que estavam velando minha visão.
Começou com o dia que tive que levar o
Pedro para Araraquara fazer a inscrição na Unesp, que dureza. Nesse dia único
vi como meu filho tinha amadurecido, como ele podia se virar sozinho. Fiquei
surpreso por nunca ter notado que ele tinha voado sozinho, acho que foi a
primeira vez que vi esse cara como ele realmente é, com recursos e com
fraquezas, igualzinho aos outros seres humanos.
Foi duro ver e compreender que à partir
daquele momento tudo seria diferente, que ele também iria ficar longe e que
faria voos cada vez mais independentes dos nossos.
Quando voltamos para casa minha fraca
memória começou a lembrar do dia em que levei a Bruna para morar em São Paulo,
tive visões aterrorizadas dela, toda bibelô, no meio da selvageria de São
Paulo. Entrei em pânico quando vi que o apartamento que ela iria alugar era
sujo e mal localizado... tive medo de não mais poder estar perto para
defende-la.
Por sorte encontramos um apartamento
melhor, uma amiga do bem que tinha mais experiência do que ela e também sorte
de que ela não era bem mais preparada do que eu jamais tinha pensado.
Tanto para a Bruna quanto para o Pedro
os fundamentos de família que passamos são tão fortes que acabam contaminando
que os rodeia. Aí então entra o Sr. Roberto e a Dona Izabel e o Sr. Antonio e a
Dona Janette. Fico imaginando que eles devem ter passado cada situação com a
filharada.
Até agora ainda acho que estou me
tornando um cara melhor, tenho certeza que estou mudando de maneira
irreversível. Eu critico menos as pessoas, relevo coisas que não me agradam ao
mesmo tempo em que fico remoído, tento não ligar muito quando vejo gastos
exagerados, com som alto, luz acesa, quanto aos detalhes parecem que a cada dia
que passa ficam menos importantes..
Tenho descoberto prazeres em coisas que
antes eram tão corriqueiras que passavam despercebidas, ficar sozinho com a
Regina na chácara, ver as frutas crescerem, ouvir minha filha contando as
coisas do trabalho e me dando conselhos, ver minha mãe fazendo arte, olhar para
o semblante pacífico da Regina quando ela cai no sono assistindo a novela,
ouvir o grito “maravilha!” do Pedro quando ele gosta de uma comida, contemplar
a Lilli feliz quando a gente vai dar a papa, os peixes pulando pela comida que
colocamos no laguinho, escutar a receita especial da Dona Janette...
O problema, para quem me conhece bem é
que antes de tirarem minhas lentes escuras, a única coisa que eu via era a
parte ruim de ter que dar a comida para a Lilli ou o valor da conta no final de
um ótimo almoço no Rosas. Agora estou diferente, muitas vezes consigo apreciar
mais a vida e às vezes consigo me deixar levar pela corrente do rio.
Então acho que comecei a entender que a
vida tem partes boas e partes difíceis. Partes que eu queria esquecer para
sempre, mas não consigo.
Estou entendendo que tem coisa que é
melhor não querer entender porque não tem remédio... fico triste. Mas afinal
acredito que o mais terrível dos pesadelos seria passar pela vida sem ter
provado seus diversos sabores. Seria uma vida de mediocridade e pobreza.
Ontem teve uma das partes difíceis. Vi
minha menina com dor no coração, vi impotente a Regina fazendo tudo que podia
para ajudar, ela tem tanta força que arrasta um mundo, mesmo assim, ajudar é
uma tarefa quase impossível. A Bruna, aquela menininha, tinha se tornado uma
mulher, estava sofrendo por amor, como isso pode ter passado tão rápido, como
eu fui perder essa parte do filme? Ela estava sofrendo tanto, mas tão linda,
tão madura e insegura junto e misturado. Para falar a verdade tive mais orgulho
do que pena. Tive certeza de que o melhor irá acontecer, sempre.
A Regina e eu ajudamos no que a gente
podia, mas entendi que a luta é dela, que ela está usando as lentes dela e que
somente o tempo e o amadurecimento vão mudar forma de ver o mundo. Meu estado
Budal alcançados de forma mágica aos 50 anos me fez calar muito rancor
que gostaria de verbalizar, me fez pensar duas vezes antes de julgar e me fez
rezar para que Deus tranquilize nossos corações e nos faça ter fé de que tudo
isso fará sentido em algum momento. O que eu sei é o que tiver que ser será e
se Ele deixar, estaremos por perto para ajudar.
Contei essa história porque a vida é
assim, tem sabores diferentes, tem horas que a gente pensa que é rei, tem horas
que nos sentimos perdidos, tem hora que o coração dói tanto... pausa para uma
choradinha, tem hora que queremos que tudo acabe e tem hora que a gente
quer que não acabe nunca. Dependendo do momento, a vida adquire diferentes
cores, intensidades, sonoridades, sabores... talvez seja isso que nos motiva a
seguir em frente... quando olho para trás só consigo lembrar que as coisas boas
foram muito mais fortes..
A idade vai chegando e vai dando pra
gente uma espécie de liberdade (olha o Sr. Antonio aí de novo). Acho que aos 60
anos, se é que isso for possível, vai ficar mais fácil perdoar, deixar prá lá
as ofensas, seguir outros caminhos, rir da própria desgraça, esquecer as coisas
ruins, amar, chorar e aceitar. Essa tal liberdade é o segredo da felicidade
plena que tantos buscam e poucos alcançam.
Enquanto escrevi esse texto chorei umas
mil vezes, com lembranças boas e ruins e me peguei perguntado por que a vida é
assim, mas agora, no finalzinho imaginei Deus falando comigo assim: - Filho, um
dia, depois de alguns aniversários, você vai compreender.
E eu tenho fé que assim será.
Não sei nem o que pensar ao ler essa história linda e tão cheia de amor e carinho que minhas lágrimas rolaram como se quisessem lavar o passado e trazer de volta tudo o que vivi com meus pequeninos inclusive filhos e netos.
ResponderExcluirTambém passei a compreender melhor você nas atitudes que por tanto amor quer melhorar o mundo, a Vida. Sei também que a Família é tão importante para nós e que você é um filho e um pai de ouro, um príncipe como minha mãe sempre dizia.
Seu coração só pode estar cheio de alegria e felicidade. Quando Deus lhe deu a Bruna e o Pedro, Ele sabia que estava entregando a coisa mais preciosa para pais sábios como você e a Regina e que eles só lhes trariam alegrias e às vezes preocupações...
Olhando para trás vejo aqueles menininhos lindos e maravilhosos e me orgulho tanto que esse amor não cabe no coração.
Sei também que isso que vocês estão sentindo todo pai e mãe que amam seus filhos reagem assim. Vocês estão enfrentando uma barra muito pesada, mas faz parte dos caminhos de Deus.
A história se repete em muitos lares: os filhos crescem, amadurecem, tornam independentes e nós temos que superar esta fase e abrir os caminhos para eles crescerem. Isso dói muito, as lágrimas virão, mas os abraços, as risadas, as brigas, as mãos dadas, os filmes, as conversas, as boas lembranças... Essas nunca sairão de nossas memórias, mas só o tempo cura tudo isto e voltamos a ser felizes com o sucesso deles.
Enfim ao ver a saída é sinal positivo que nossos piolhos cresceram muito.
E termino com suas palavras:
“Eu tenho fé que assim será.”